domingo, 8 de julho de 2012

A VIDA DO PEQUENO MICHAEL

Gostaria muito que vocês lêssem e prestassem atenção à esta história que vou contar agora, porque através dela vocês vão entender o porquê de um novo e muito importante procedimento que estamos começando na Nigéria de onde vocês ainda terão muitas notícias.

Em outubro do ano passado uma pessoa encontrou perambulando a noite pela rua um garotinho e conversando com ele descobriu que ele havia sido abandonado por seu pai sob a acusação de ser um bruxo. O nome desse menino é Michael e ele tem apenas 6 anos de idade.
A pessoa que o encontrou já tinha ouvido falar sobre nosso trabalho e nos procurou, chegou até a casa do Chief Medekong e foi direcionada para nossa base em Oron. Acolhemos a criança, ouvimos tudo o que ele tinha a dizer e tentamos localizar sua família com base nas poucas informações que ele conseguiu nos dar. Percebemos que ele não queria mais voltar para casa e hoje sinceramente queria que não tivéssemos localizado sua família.

Alguns dias depois encontramos seu pai numa vila não muito distante de nossa base.

A príncipio ele disse que não havia abandonado o Michael, que ele havia fugido de casa. Mas confessou que outras pessoas por lá de fato achavam que o garoto era um bruxo e ele também não estava certo. Ele disse que trabalhava de moto-taxi e que era profeta em sua igreja. Nosso time deu o melhor de si, falou do evangelho e de tudo o que Jesus falou sobre o cuidado com os pequeninos, e aquele homem aparentemente concordou com tudo e aceitou o filho de volta em casa.

Três dias mais tarde eu estava na cidade de Eket e recebi uma ligação meio desesperado da casa do Chief. O Michael havia acabado de aparecer lá sozinho com um grande corte na cabeça por onde sangrava muito. Precisava ser levado ao hospital com urgência e o Jackson que estava mais próximo o levou. Michael nos disse que seu tio havia batido em sua cabeça com uma barra de ferro e que queria matá-lo. Enquanto ele foi levado ao hospital a Uduak foi até a polícia, explicou o caso e pediu que eles fossem até o local para averiguar. Então recebi outra ligação, me disseram que teriam que pagar o transporte para a polícia ir até o local. Sim, é um absurdo, mas é a realidade. Autorizei o pagamento e eles foram. Chegando lá, se não me engano foi o pai do Michael que confirmou o crime por parte do tio e o tio foi preso. Mas neste momento a polícia fez algo mais que para muita gente solucionaria o problema mas na prática não o faz. Eles, ao saber que o menino havia sido acusado de ser bruxo pelo próprio pai que se diz “profeta”, o que foi confessado pelo tio, ameaçaram a prender também o pai por 10 anos sem fiança caso descobrissem que ele continuava chamando o filho de bruxo e não o recebesse de volta em casa. Uma semana mais tarde a polícia entrou em contato conosco dizendo que precisávamos comparecer à delegacia para pagar a taxa de fechamento do caso para que o tio fosse solto. Claro que nunca viram nossa cara lá mais. Dias mais tarde tive notícias de que o tio havia sido solto e indo embora para outro estado. O pai de Michael o recebeu de volta e nosso time ingenuamente acreditou que agora estava tudo bem. Por telefone falaram com o pai dele umas duas vezes nos últimos meses e ele disse que estava tudo bem com o garoto.

Mas neste último mês resolvemos ir até a casa do menino. Dirigimos pelas vilas, acessamos uma estradinha de terra cheia de enormes poças dágua as quais nosso novo motorista Usen ía atravessando e comentando “nunca entrei em lugares assim por aqui”.

De repente estavámos lá, um barraco de um só cômodo, com paredes feitas de varas e barro e o teto de “sapê”. A porta estava trancada com cadeado. Aos arredores terrenos baldios, com bastante mato e alguns barracos espalhados. Quando saltamos do carro uma criança veio até nós. Era o Michael. Estava descalço, sem camisa, usava um short extremamente sujo e seu corpo estava bastante sujo de barro. Estava magro e com um semblante bastante triste.

Perguntamos a ele onde estava seu pai e ele disse que estava trabalhando. Nos pediu para levá-lo embora conosco. Não está mais indo a escola porque seu pai não o registrou e também não tinha material escolar. Disse que há vários dias seu pai só o deixa entrar em casa a noite para domir. Pela manhã, todos os dias quando seu pai sai para trabalhar o tranca do lado de fora de casa até a noite quando retorna do trabalho. Ele fica perâmbulando pela rua, comendo sabe-se lá o quê.

Enquanto conversávamos com ele pessoas foram aparecendo pela estradinha e se achegando a nós. Na conversa descobrimos que muitos deles ali na vila não só acreditam que existem crianças bruxas mas também que o Michael é uma delas. Todos se diziam cristãos; Uns até mencionaram que o próprio pai do Michael é profeta e sabe disso; Comecei então a discorrer para eles as palavras de Jesus e durante uns 15 a 20 minutos mais com perguntas do que com afirmações fui tentando guiá-los para fora de sua cegueira. E eles levantavam os mesmos argumentos de sempre, “e se a criança confessa que é bruxa?”; “e se alguém tiver realmente iniciado a criança com comida enfeitiçada”, “e se a criança for muito desobediente?”. Fomos passando por estes argumentos e deixando-os para trás. E quando eu ía concluindo sobre o amor e a graça do Pai para com os seus pequeninos um rapaz me fez a seguinte pergunta que causou um curto silêncio nos que participavam daquele debate: “o senhor está querendo me dizer que Deus aceita crianças desobedientes?” . Um senhor que estava naquela roda me fitou como ar de quem diz – agora eu quero ver! E eu disse a eles, “se ele não aceitasse filhos desobedientes a quem Ele aceitaria? Quando Ele disse “deixai vir a mim os pequeninos porque deles é o Reino dos céus” Ele não específicou “...deixai vir a mim somente os pequeninos obedientes”. Cabe aos pais educar os filhos nos caminhos do Senhor. Sim, Ele aceita a todos nós! Então o rapaz que havia feito essa última pergunta, numa atitude de quem havia crido no que eu disse me fez um pedido: “você precisa ir à minha vila falar com as pessoas lá, tem muitas crianças lá que eles pensam serem bruxas. Eu sou de Abak”.

Levamos o Michael para comer arroz com peixe num barzinho da redondeza. Enquanto ele comia eu o assistia. Na ânsia de sua fome alguns bagos de arroz cairam em sua cadeira e ele descansou o garfo, apanhou os bagos e os colocou no cantinho do prato. Essa simples atitude falou tanto comigo sobre aquele menino. Acertei com nosso time “precisamos tirá-lo de lá e dar uma chance para ele viver”. Eles todos disseram quase que em coro “a gente já ia sugerir a mesma coisa pois pelo que ouvimos lá temos receio que algo aconteça a ele.” Daí eu disse “então está resolvido, já o levamos daqui” mas nosso time disse que não poderíamos fazer isso pois o pai dele poderia aproveitar desta oportunidade para dizer a polícia que sequestramos seu filho. Disseram que o levariam de volta a sua casa e que no dia seguinte  iriam ver o pai dele para pedir que assinasse um documento permitindo que levassemos o Michael. Michael retornou para casa triste. Assim como eu ele também havia achado que ele não retornaria para lá mais.

Dias se passaram sem que conseguissemos encontrar seu pai. Ele estava claramente nos evitando, até que a Uduak conseguiu encontrá-lo ao esperá-lo em sua casa até as nove da noite. Para nossa surpresa ele recusou a assinar o papel e disse que deveríamos ter ficado com o menino na primeira vez em que o achamos. Disse que agora não vai deixar que o levemos. Contudo continua sem dar tratamento adequado ao Michael e nosso time sempre que pode aparece por lá. A polícia não faz mais nada a respeito e nós estamos de mãos “quase” atadas.

Com essa infeliz experiência, vi a importância de monitorarmos durante algum tempo as crianças reconciliadas, principalmente aquelas que o foram antes de nossa chegada na Nigéria, e que foram reconciliadas através do CRARN pela força da lei e mais nada. Agora que o CRARN não existe mais nós vamos atrás, com as informações de mais de cem crianças reconciliadas por eles no passado, tentar monitorar cada caso, à medida do possíve e de nosso recursos. Mas confesso que temo as notícias.


Leonardo Santos 
Caminho às Nações | Nigéria-



Doar é uma forma de amar,Uma atitude sua pode  mudar para sempre a vida de uma criança na Nigéria

Nenhum comentário:

Postar um comentário